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Somos feitos de aço

Mais cedo ou mais tarde, chegará o dia em que vais ser desafiado a sair da caixa, a sair da tua zona de conforto, a enfrentar os teus medos, o que te aterroriza, o que mais te assusta, o que te demoniza.


Um dia, mais cedo ou mais tarde, vais ter que sair do conforto da tua sombra, largar tudo aquilo que conheces e a vida vai puxar-te o tapete, vai tirar-te o chão, vai deixar-te á beira do abismo, à beira de uma decisão e tu vais ter que decidir se vais ou ficas, se vais ou te deixas morrer, se vais ou te deixas definhar.


Porque um dia, de um minuto para o outro, tudo muda. Há sempre um minuto que é decisivo. Há sempre um minuto que nós não esperávamos, não antecipávamos, não contávamos que pudesse surgir, mas é um minuto mágico. É o minuto em que temos que tomar uma decisão que acaba por inevitavelmente mudar o rumo da nossa vida. Claro que não acontece tudo nesse minuto. Há um encadeamento de vidas, de acontecimentos, de decisões, de escolhas que convergem para que este exato minuto aconteça e depois dele, a manifestação do que escolhemos também levará o seu tempo e o seu processo a acontecer. Mas há sempre um momento preciso, exato, em que se dá o click e que vira o nosso mundo de pernas para o ar.


Nesse minuto sonhos podem ser destruídos, vidas podem ficar para trás, objetivos podem ser abandonados ou reformulados e a vida como a conhecíamos pode transformar-se apenas numa miragem, numa recordação, numa memória de um tempo longínquo que foi bom ou menos bom, mas que inevitavelmente passa a pertencer a um passado onde não podemos mais voltar.


Esse minuto vai exigir coragem, força, determinação e integridade. Esse minuto vai exigir que te escolhas a ti acima de tudo o resto. Que te ponhas em primeiro lugar. Que aceites o inevitável e ás vezes, que aceites o inimaginável. Nesse minuto podes sentir que não aguentas mais e que não vais ser capaz de continuar. Nesse minuto podes sentir que não aguentas mais uma perda, mais uma morte, mais uma traição, mais uma mentira, mais um recomeçar, mais um reconstruir, mais um renascer das cinzas, mas passado o choque, o confronto com mais uma inevitabilidade da vida, passado o sofrimento, a abertura de mais uma ferida, o sangramento e a dor do embate, há uma força que surge de um lugar dentro de ti que nem sabias que existia, que te obriga a reagir e que quase inconscientemente, quase impulsivamente, te obriga a erguer, a sobreviver e a seguir em frente.


Somos emocionalmente frágeis, fisicamente cansados e psicologicamente lixados, mas somos feito de aço. Somos feitos de um aço maleável, duro e inquebrável. Arrancam-nos a pele, rasgam-nos os músculos, os tendões e os ligamentos, queimam-nos os ossos e quando pensamos que não existe mais nada, eis que surge este aço feito com pó das fadas, areia das estrelas e rasto de cometas, forjado no fogo do Sol e arrefecido nas águas mais frias do Olimpo.


É aqui que descobrimos do que somos feitos, que somos feitos de magia e de um amor move montanhas. É aqui que descobrimos que somos resultado de uma força maior que nós mesmos, que somos criados divinamente e atirados para a Terra do Nunca com sonhos de meninos, como meninos perdidos, mas que toda a fragilidade e todo o medo podem ser alquimizados e que temos o poder de transformar chumbo em ouro, sombra em luz e que podemos, através das trevas, criar o nosso Céu na Terra.


Vamos precisar de coragem, de força, de inteligência, de sensibilidade, de criatividade, de pureza de espírito, de encontrar equilíbrios, de nos curarmos, de nos aventurarmos, de disciplina, de alguma rebeldia no meio do caos, mas se tudo correr bem, acabamos por nos transcender uma e outra (e outra e outra) vez. Esta escolha será sempre uma escolha entre sermos pessoas ou sermos humanos. Será uma escolha entre viver no nosso umbigo, dependente de um cordão umbilical invisível que se liga aqui e ali ou viver como árvore, cujas raízes estão fortes e seguras na terra, interligadas e conectadas a uma fonte infinita de recursos que nos permitem romper do chão e erguermo-nos individual e majestosamente até ao céu.


Qualquer que seja a decisão nunca será perfeita e nunca será isenta de consequências. Esse é, regra geral, o nosso maior medo, o de assumir as consequências pelas nossas decisões. Da mesma forma que o bater de asas de uma borboleta pode gerar um tsunami do outro lado do mundo, aquilo que nós escolhemos no nosso minuto mágico pode gerar terramotos, tornados, fogos e explosões, por isso é importante que no minuto em que escolhemos, estejamos com as nossas raízes firmes e ligadas ao nosso coração. O que é bom para nós, não vai ser necessariamente interpretado como bom para o resto do mundo. A forma como vamos sobreviver, pode gerar morte e destruição em outro lugar do mundo. Aquilo que escolhemos no nosso minuto mágico pode incomodar, ferir, fazer comichão, arreliar, zangar, corroer outros mundos. Por isso precisamos confiar que há um plano divino, uma força ou uma inteligência superior que rege o encadeamento das coisas e que se encarrega do processo de homeostase da vida. E precisamos ter a certeza de que somos regidos pelo amor, pela verdade, pela integridade, pela gentileza, pelos valores mais justos e elevados e não pelo medo ou pela cobardia.


Certo é que não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe. Eventualmente, independentemente das escolhas do mundo, independentemente do que cada um de nós decide nos seus minutos mágicos, a vida vai continuar. E um dia os ventos da mudança vão voltar a soprar e tudo vai voltar a mudar. Por mais que a tentemos contrariar, a impermanência é das poucas certezas que temos na vida. Essa e a de que somos feitos de um aço mágico, cósmico, imaginário, mas resistente, maleável, adaptável, flexível, capaz de resistir ás piores tormentas, aos maiores desafios, ás guerras mais violentas, aos mares mais revoltos e suportar os embates mais destrutivos. Essa é a nossa garantia de que estaremos sempre aqui até que deixemos de estar. Essa é a nossa garantia de que quando não tivermos mais nada, continuaremos a ter-nos a nós, os únicos com quem podemos contar sempre, para sempre até que a magia se acabe e voltemos a ser apenas pó de estrelas.




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