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O meu Mundo Mágico

Não sou naturalmente extrovertida. 

 

Quando era pequena passava horas sentada no chão da pequena sala da casa dos meus avós fechada num mundo que era só meu, com os joelhos encostados ao queixo, headphones nas orelhas e com o walkman a dar "Onda Choc" ou a ouvir as canções que gravava diretamente da rádio e que foram os meus primeiros passos na aprendizagem do inglês. 

 

Com o passar dos anos mantive o hábito de me refugiar nesse mundo a que fui acrescentado mobília, livros, cadernos, canetas, marcadores de todas as cores e onde me deixo ficar a escrever até me doerem os dedos.  

 

Com o passar dos anos esse meu mundo foi-se expandindo e tornando-se mais complexo. Hoje existem nele estantes de livros até ao teto, prateleiras com cadernos ordenados por cronologia e outros tantos espalhados pelo chão e pelas mesas. Existem cães, gatos, borboletas e plantas. As paredes estão forradas com histórias dos que passaram por mim, dos que já se foram, dos que permaneceram, dos que ficaram mas já não são os mesmos e pela janela veem-se galáxias onde eu me aventuro e tantas vezes perco em modo exploradora. Ao lado da grande e velha poltrona estão empilhados os "workbooks" das filosofias que debato comigo mesma, dos sentidos que vou procurando e descobrindo, das perguntas existenciais surgidas das inúmeras crises existenciais e das experiências que vou fazendo pela vida. 

 

É aqui que estudo, que leio e que aprendo mais. Que descubro novas músicas e às vezes até danço sozinha. É aqui que aprendo mais sobre mim, sobre os outros e sobre o mundo. É aqui que descubro mais sobre aquela que fui e sobre aquela que eventualmente virei a ser.  

 

Neste mundo sinto-me mais eu do que em qualquer outro. De vez em quando abro a porta e deixo alguém entrar. De vez em quando dou uma festa daquelas de pijama, com chocolate quente e livros que ficamos a ler até de madrugada. 

 

Ah adoro aquele espaço entre a noite e a madrugada. Há um silêncio, uma paz e uma espécie de magia que facilita o teletransporte para a Terra dos Sonhos por onde eu gosto de vaguear enquanto sonho acordada. 

 

Há uma diferença grande entre estar sozinha e a solidão. Eu não gosto da solidão mas gosto de estar sozinha e de me evadir nas minhas viagens secretas a este planeta que construí e que é só meu. Na verdade é por isso que preciso disto: preciso de estar sozinha para não sentir solidão. 

 

O mundo "real" de hoje é demasiado superficial para mim. Não gosto de pessoas rasas, sombras de tantas outras, fotocópias que saíram de impressoras cujos cartuchos já acusam falta de tinta. Gosto de pessoas que também construíram os seus próprios planetas e guardam dentro de si um universo novo, singular e original onde eu posso descobrir novas formas de vida. Gosto das pessoas que inspiram não pela norma mas pela originalidade. Gosto das pessoas complexas porque essas têm em si um conjunto de histórias, significados, sentimentos e emoções que construíram sem imitações e que são só suas. Para mim não há maior integridade do que esta. 

 

O mundo real é para mim demasiado raso e com muito pouca magia. Há quem diga que magia e loucura caminham de mãos dadas. Não tenho a certeza, mas acredito que preciso de uma pequena dose das duas para me manter viva. Não é sobre o coração bater e os pulmões continuarem a fazer o seu trabalho de me permitirem continuar a respirar. Ás vezes os pulmões estão a funcionar bem e eu sinto-me a sufocar. Ás vezes o coração continua a bater e eu sinto que ele vai parar. É quando a magia acaba.  

 

Quando a magia acaba a vida fica cinzenta. É como estar viva, mas não estar. Não há cores, não há cheiros, não há sensações, não há emoções e só se ouve um ruído de fundo. Quando a magia acaba não há entusiasmo ou alegria. Só um conjunto de mecanismos automáticos que são acionados e que nos fazem permanecer pela vida como se outra pessoa tivesse assumido o comando e nós apenas cumpríssemos os comandos que nos são dados, um atrás do outro. 

 

No meu mundo não é assim. No meu mundo eu tenho a capacidade de criar, de explorar, de viajar e de experienciar. No meu mundo não existe certo ou errado. Não existem códigos de conduta e a ética vigente é a de tudo o que fizer o coração sorrir. 

 

Claro que ás vezes também há tristeza, há perdas, há lágrimas, há dor, há mágoa, mas também isto me faz sentir viva. Também isto me faz sentir humana. Também isto me faz sentir que há muito mais no meu mundo do que fora dele. 

 

Não acredito que quando morrer vá para o Céu. Dados os critérios não me parece que cumpra os requisitos. Gosto de acreditar que quando morrer continuo a viver neste meu mundo, nesta casa que construí para mim ao longo da vida e cuja entrada se faz pela porta da alma, mesmo junto ao coração. Acredito que este é o meu Céu pessoal. É este lugar que me parece real, é neste lugar que me sinto em casa e é neste lugar que sinto que a minha vida verdadeiramente acontece quando ninguém está a ver. É aqui que vivo desde sempre e é aqui que quero continuar a viver, mas de vez em quando vou trazendo pedacinhos deste Céu comigo que vou espalhando como migalhas, aqui e ali, e que vou deixando escondidos no "mundo real" pelos lugares por onde passo. Afinal todos queremos deixar uma marca no mundo, não é? 



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