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Sobre Silêncios e Vazios

Acordo tarde e arrasto-me até à cozinha para tomar o pequeno almoço. Tenho a chávena com o café ao meu lado e o meu caderno à minha frente. A casa está toda em silêncio, o prédio está em silêncio e mal se ouve qualquer ruído vindo da rua. O cão e os gatos dormem serenos. É muito raro a minha vida estar tão silenciosa. Ouço a notificação de uma mensagem no telemóvel ao longe. Respondo e volto a meter o telemóvel para o lado. Silêncio outra vez. Respiro fundo para tentar absorver o momento que é tão raro. Tardo em expirar como se tentasse reter toda esta paz dentro de mim. Quando finalmente liberto o ar sinto-me vazia e plena ao mesmo tempo.


Os domingos de manhã têm este efeito mágico em mim. Não são todos, mas às vezes acontece. Percebo que na verdade não foi o mundo que se calou, a minha mente hiperativa é que resolveu dar-me uma trégua. De vez em quando acontece que ela decide que eu mereço um dia de descanso e fica assim desligada, silenciosa, adormecida, em paz. O corpo relaxa e purga as tensões todas dos dias antecedentes. O espírito ganha mais espaço para respirar e se fazer sentir. Não há azáfama, não há correria, não há preocupação e estes são os dias em que eu sinto que finalmente tenho espaço e tempo para existir plenamente.


É estranho como o vazio trás tanta paz e como é no silêncio que se manifesta a existência. Sinto uma pontinha de inveja das pessoas que conseguem viver neste estado de harmonia constante. Ás vezes até me revolto um bocadinho contra os deuses por não me terem brindado com esse dom. Só quem vive atormentado pela necessidade de controlar o mundo é que compreende o quão desgastante é passar a vida a tentar lutar contra ele. É que o mundo respira e tem vontade própria. É influenciável, permite que os astros lhe digam para onde deve ir e o que deve fazer nas vidas de cada um de nós. Depois há os que se deixam levar, fluir, que entram na dança cósmica sem resistência; e há aqueles, como eu, que se rebelam contra a autoridade, que se recusam a aceitar entrar na corrente e que passam os seus dias de espada na mão a tentar contrariar as imposições da vida.


Não acredito que uns estejam mais certos do que os outros, mas acredito num equilíbrio entre os dois. Acredito que há momentos para lutar, para a acção, para empreender em novas formas de existir e há momentos em que temos que fazer uso da boa da paciência divina, aceitar as circunstâncias e confiar que há um tempo perfeito para que tudo se manifeste. Há momentos em que tudo o que temos que fazer é desligar a mente e permitirmo-nos existir. Ninguém consegue lutar o tempo todo. Não obstante o desgaste da luta em si, as feridas doem, sangram e precisam de ser curadas. O corpo precisa de regenerar-se, as estratégias precisam ser redefinidas e a alma precisa de respirar. É nestes momentos que o silêncio acontece e o vazio se instala. Regra geral associamos vazio à ausência de coisas, sentimentos, emoções, pensamentos, mas é a isso que se chama paz. Paz é aquele limbo em que parece que nada acontece, mas onde nós verdadeiramente acontecemos. Paz é a manifestação da totalidade de quem nós somos e acreditem, nós não somos o ruído que costumamos sentir nos nossos dias. Quando quiserem verdadeiramente saber quem são, calem o vosso mundo, silenciem todos os ruídos, desliguem a vossa mente, serenem o vosso coração e sintam o vazio de tudo isto. É nesse lugar que se encontra Deus. É nesse lugar que se pode sentir a divindade, a essência e o amor de quem nós somos.


Os meus dias são sempre muito cheios. O trabalho obriga-me a usar todas as minhas competências mentais de planeamento, antecipação e agilidade na resolução de problemas. Depois do trabalho e dentro do tempo que me sobra fora dele, preciso ser capaz de dar resposta ás inúmeras tarefas que fazem parte da vida, o que também me exige organização e planeamento. Tenho listas de tarefas para não me esquecer de nada e uso lembretes para a maioria delas. Pelo meio há sempre lugar a imprevistos, aquelas coisas que surgem e que acabamos por ter que encaixar também no meio das rotinas. Quando dou por mim estou a deitar-me na cama exausta. Quando dou por mim passaram-se dias, semanas, sem que tenha tido uma hora de silêncio onde eu me permita verdadeiramente existir fora do mundo e das suas fortes correntes. Por isso, domingos como este são uma benção da vida, são como pequenos presentes, balões de oxigénio que me ajudam a respirar e a reconectar com aquilo que é verdadeiramente essencial: Eu!


Se há coisa que aprendi nos últimos anos é que se Eu não existir, se não tiver lugar para ser, para expandir, para respirar, não me vale de nada ter vida. Se não houver lugar para o Eu, sou só um montinho de carne e ossos, a passear pelo mundo, tal e qual um robot programado para funcionar de forma automática e desprovida de consciência. E é nos silêncios destes dias que eu encontro o meu Eu. É no vazio destes dias, nas tréguas da vida e do mundo, que eu descubro a verdadeira vida que existe dentro de mim. Por vezes os silêncios acontecem na solidão, mas também há os dias em que os silêncios acontecem no meio das pessoas que nos são mais queridas, que ressoam connosco e que nos fazem sentir em casa. Sentir-se vazio não significa que nos falta alguma coisa: isso é necessidade ou carência. Estar vazio é precisamente sentir que não precisamos de nada, que estamos em paz e que o Universo está na sua ordem perfeita.


Então, o meu conselho é que não tenham medo do vazio ou do silêncio. Não tenham medo de tirar um dia para se desligarem da vida ou para se ligarem àquilo ou àqueles que mais alegria e paz vos trazem. Permitam que o vosso coração se acalme e a vossa mente se desligue. Permitam que quem vocês são emerja das profundezas do vosso ser e se manifeste. Acreditem que terem tempo para Ser, com tudo o que isso implica, não é um luxo, é o vosso direito divino. Terem tempo para estar em silêncio, em paz, vazios de preocupações, tarefas e responsabilidades; terem tempo para estar com aqueles que vos expandem e vos fazem sentir em casa; terem tempo para fazer aquilo que vos espicaça a criatividade e trás alegria e realização à vida, não é um luxo, é o vosso direito divino. É o vosso direito a serem mais que um monte de carne e ossos, a serem mais que robots, sombras de existência, marionetas da vida. Pessoas, tudo isto é vosso por direito, por isso façam bom uso dele e, já agora, não se sintam culpados quando o fizerem.



 
 
 

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