top of page
Buscar

Presente Envenenado

Já falei por aqui muitas vezes que a dada altura da minha vida me esforcei muito por caber no mundo dos outros, mas nunca vos contei exactamente de que maneira é que o fiz. Não é uma história particularmente interessante ou inédita. Na verdade ela resume-se em breves palavras. Muitos de vocês vão ler e pensar "Que idiota!", mas o motivo que me leva a contá-la, é por todos os outros que viveram a mesma história e na altura se sentiram sozinhos, acreditando que havia qualquer de muito errado com eles porque nunca acertavam.

Há muitos anos atrás eu vivia com a crença de que tinha que me esforçar para ser amada e aceite, por isso quando gostava mesmo de alguém, fazia de tudo para que essa pessoa também gostasse de mim. Não era uma coisa que eu fizesse de forma consciente. A consciência disto só veio muitos anos depois e após muita auto-terapia. Contudo, isso deu origem a que me fosse moldando à medida do que os outros achavam que eu deveria ser. Isso deu origem a que eu me tenha esforçado muito por caber no mundo daqueles que amava. Se alguém que eu amava me dissesse que eu estava gorda, eu emagrecia. Se me dissesse que eu estava magra, eu engordava. Se me dissessem que aquela roupa não me ficava bem, nunca mais a usava. Se me dissessem que eu não devia ser tão expressiva, eu controlava-me. E assim fui eu durante muitos anos a construir-me à imagem daquilo que esperavam de mim. Porque é que o fazia? A resposta é muito simples: porque, por motivos ainda mais antigos, eu era uma pessoa muito carente. Porque precisava muito de sentir que era amada e que pertencia a algum lugar. Porque tinha medo de que se eu fosse aquilo que queria ser, deixassem de gostar de mim, me abandonassem e eu acabasse sozinha numa valeta qualquer.


Claro que a minha essência nunca desapareceu por completo. Por breves momentos ela aparecia, mas descobri que as pessoas que eu amava não gostavam dela. Sempre tive um lado muito reflexivo e introspectivo que era equilibrado com uma lado muito alegre, espontâneo e extrovertido, mas elas não gostavam de nenhum dos lados. O reflexivo era "complexo e problemático" e o alegre era "infantil e desadequado". A certa altura percebi que as pessoas que eu amava não gostavam de nada em mim. Por mais que as tentasse agradar e fazer felizes, por mais flexível e mutável que eu fosse, nunca chegava, nunca era suficiente e eu precisava sempre de ser mais e mais e mais e de mudar mais e mais e mais, ao ponto de me esgotar completamente. Eu não entendia aquilo! Não entendia como é que, mesmo com todo o meu esforço, era tão difícil amarem-me e por isso comecei a acreditar que o problema devia estar mesmo em mim: eu não era boa o suficiente, eu não tinha nada para merecer amor.


Esta foi a ideia que plantei na minha cabeça e que cresceu desmesuradamente. Para descrever o tamanho dos danos que ela causou, precisaria de outro post. Posso resumir o tamanho da violência que gerei contra mim mesma ao contar-vos que a dada altura eu acreditava piamente que se morresse não faria falta nenhuma no mundo. Compreendam que nesta altura eu não sabia nada sobre o amor. Eu vivia-o exactamente como as pessoas que eu amava: como alimento para as minhas necessidades e bálsamo para os meus medos. Vivia-o como suplemento para as minhas inseguranças e como complemento para tudo aquilo que não encontrava dentro de mim. Compreendam que o amor é uma das necessidades mais básicas do ser humano. Ele faz-nos sentir seguros, inteiros, completos e em paz. Se falta dentro de nós, entramos em modo de sobrevivência e tentamos alcançá-lo a todo o custo através dos outros.


O problema é que há amores que são presentes envenenados. Quando vocês já estão de estômago vazio a roncar de fome, aparece a bruxa disfarçada de amor-perfeito, a oferecer-vos uma maçã linda, brilhante e vermelhinha. Famintos, trincam a bela da maçã e quando dão por ela já estão no mundo dos sonhos, presos num lugar de onde já não conseguem sair. O que nunca ninguém nos conta é que a bruxa só oferece a maçã por que também ela está com o estômago a dar horas e a lutar por sobreviver.


O amor que tem as suas fundações na sobrevivência, no medo e na insegurança, torna-se num amor dependente, tóxico e doentio. Transforma-se numa dinâmica violenta, onde as pessoas usam todos os meios, incluindo a manipulação, para se apropriarem da outra e garantir que ela continua a ser a sua fonte pessoal de poder. Quem é que nunca ouviu a história do "ele bate-me mas gosta de mim!" ou "ela tem ciúmes porque gosta de mim"?! Nãaaaao! Ela tem ciúmes porque é insegura e tem medo que se ame mais outra pessoa do que a ela. Ela tem ciúmes porque tem medo de perder a sua fonte de amor pessoal. Ela tem ciúmes porque assumiu que a outra pessoa é propriedade sua e que a sua missão na sua vida é fazer com que se sinta segura, amada, acarinhada e cuidada. Isto acontece nas relações ditas amorosas, mas também em todas as outras. É a falta de substância e consistência interna que dá lugar às batalhas campais que se travam no exterior. Muitas pessoas andam perdidas, insatisfeitas com a vida, com aquela sensação de vazio, de que lhes falta alguma coisa, e dão voltas à cabeça e ao mundo em busca de uma solução, em vez de darem voltas à alma em busca daquilo que já existe dentro delas.


Infelizmente, por mais vilões que tentem encontrar, não existem vítimas nestas histórias. Todos nós temos a responsabilidade por nós mesmos e por aquilo que permitimos nas nossas vidas. Não adianta tentar culpar o mundo pelo que vos aconteceu ou por o que vos fizeram. Foram vocês que o fizeram e foram vocês que permitiram que o fizessem. Podia escrever muito sobre o que é que leva uma pessoa a manipular outra ou sobre o que é que leva uma pessoa a deixar-se violentar por outra. Podia escrever muito sobre o que é que leva uma pessoa a diminuir, humilhar e a oprimir aquela que teoricamente ama, mas como disse no início, quando decidi falar sobre isto foi por todas as pessoas que ainda vivem ou já viveram os seus presentes envenenados e ficaram presas nas sombras da toxicidade que eles lhes trouxeram.


Meus queridos, levei muito tempo a integrar isto, mas o amor que é puro não vos condiciona, não vos oprime e não vos magoa. Ele existe nas fundações da vossa essência e nunca vos poderá ser retirado. O amor que é puro cuida, suporta, nutre e acontece numa dinâmica de troca saudável, onde ninguém se esgota e onde só há lugar a crescimento e abundância. O amor que é verdadeiro é autêntico, é essencial e é transparente. Qualquer forma de amor que vos diga que não são suficientes, não é amor. Qualquer forma de amor que vos retire a liberdade de ser, não é amor. Qualquer forma de amor que vos obrigue a caber na caixa que vos estão a oferecer, não é amor. O amor verdadeiro não vem embrulhado em caixas douradas com fitas de cetim. O amor verdadeiro vem embrulhado em respeito, em consideração, em cuidado, em individualidade, em liberdade e vem pronto para vos abraçar no melhor e no pior das vossas existências. Vem preparado para todos os dias vos dizer o quão especiais vocês são e a tamanha falta que fazem neste mundo. Vem preparado para elogiar os vossos dons, dizer-vos o que é que têm de absolutamente único e suportar todo o vosso crescimento e expansão. Meus queridos, todos vocês são enormes e qualquer forma de amor que não seja do vosso tamanho, não é amor... É veneno!



 
 
 

Comments


Por favor, insira um email válido

©2018 by Trinta Sentidos. Proudly created with Wix.com

bottom of page