top of page
Buscar

O Tempo entre Nascer e Morrer!

Atualizado: 23 de nov. de 2018

Hoje de manhã li um texto que quase no fim dizia: "Vamos morrer. Vamos todos morrer." Durante muito tempo eu era muito atormentada por este pensamento de que cada dia que passava na minha vida era menos um dia que eu tinha para viver. Na verdade eu era atormentada pelo pensamento de que eu estava a morrer. Nós não precisamos ter uma doença terminal ou ser velhinhos para percebermos que estamos a morrer. Nós começamos a morrer no dia em que nascemos. A grande questão está no que é que fazemos no tempo que temos entre o nascer e o morrer. Foi no dia em fui confrontada com esta questão que a minha vida mudou e que eu mudei com ela.


Há muito tempo atrás eu era uma espécie de comboio a descarrilar: descontrolada, com uma força bruta e capaz de levar tudo à minha frente. Quando uma pessoa muito cedo passa por vários descarrilamentos, das duas uma: ou descarrila de vez e aceita que o resto da vida vai ser sempre assim, ou, no meio das catástrofes, começa a fantasiar e a acreditar que um dia, com muito esforço e dedicação, poderá mudar o o curso da história. Foi assim que eu escrevi a minha história. Quase que num modo de sobrevivência, acabei por me tornar na personagem principal de um conto, fantasiado à imagem dos sonhos que eventualmente me viriam a salvar vida. Posso já adiantar que a realização desses sonhos não me salvou de nada, mas o facto de os ter sonhado nessa altura sim. Para os realizar aprendi a definir objectivos, a criar métodos, a planear todas as fases, a encontrar rotinas seguras, penteei a juba do leão e preparei-me para viver. Pouco em mim era verdadeiramente meu. Pouco em mim era o meu verdadeiro Eu. Aprendi a moldar-me para caber na história que tinha escrito. Era a história que eu acreditava que o mundo queria ler e acreditava mesmo que, se essa era a história que o mundo queria ler, então também era essa a história que eu deveria contar. Era tão perfeitinha! Era um orgulho de história, um sonho de história! Então assim fiz. Andei pela vida a riscar a check list, a domar-me e a conter-me para parecer tão perfeitinha quanto a minha história. Estava completamente empenhada em que não houvesse uma palavra fora do contexto, uma imagem fora do enquadramento e que, especialmente eu, coubesse em tudo aquilo que a história precisava que eu fosse.


Um dia acordei e fui assolada pela consciência de que estava a morrer. Podem imaginar o meu choque! EU ESTAVA A MORRER! Como qualquer pessoa que percebe que está a morrer e que já não tem a vida toda (eu já tinha gasto uns bons 30 anos), iniciei o expectável processo de retrospectiva. Começaram as questões: Será que tenho sido verdadeiramente Eu? Será que eu tenho feito aquilo que me faz verdadeiramente feliz? Será que é mesmo isto que eu quero para o resto dos meus dias? Parecia que tinha engolido um livro de auto-ajuda ao pequeno almoço, empurrado com um cházinho de camomila. Dizem que a camomila acalma e eu nesse momento precisava de muita calma na alma. Ao início parecia que estava tudo certo. Eu tinha-me esforçado muito para corresponder ao guião que tinha traçado e a coisa estava a ir bem, mas dentro de mim havia aquele niggling feeling (adoro esta expressão, até a expressão é assim irritantezinha), aquela sensação chatinha de que qualquer coisa não estava certa. Então, queimei mais uns momentos da minha vida e resolvi ir olhar com mais atenção para dentro de mim, sentir com olhos de sentir, ver com coração de ver e... A-ha! Lá estava ele! O niggling feeling saiu da toca e vou-vos dizer... cheirava mal como tudo! De repente vi-me confrontada com todas as mentiras que contei a mim mesma, com todas as vezes que me subjuguei e me diminui para caber no mundo dos outros, com todas as vezes que me permiti ser manipulada e maltratada, com toda a alegria que não me permiti sentir, com toda a opressão que usei contra a minha essência, com todo o amor que implorei, com toda a carência a que não liguei, com a liberdade de que abdiquei, com todas as vezes que me esforcei por impressionar para ser aceite e com todas as vezes que dei tudo o que tinha só para ser amada. É verdade, o niggling feeling era absolutamente nojento! Era puro lixo existencial e estava todo guardado dentro de mim, prontinho para sair tipo vómito.


Bem, uma pessoa a morrer e a vomitar lixo existencial é uma visão do demónio. É mais do que o ser humano comum pode aguentar, mas eu dei mais um golinho no chá de camomila, queimei mais uns momentos de vida e ponderei as minhas hipóteses. No fim decidi que se ia morrer, então ia morrer à minha maneira: feliz, realizada e adornada de essência! Rasguei todos os sonhos que acreditava serem de ferro, mas que afinal eram de papel e rasguei as páginas todas que faltavam viver da história que tinha escrito. Ponderei muito antes de começar a reescrever a história. Mais um golinho, mais uns momentos de vida com o galheiro e aqui vai disto... Só que não foi! Descobri que não queria escrever mais nada. Descobri nuns breves momentos de lucidez da minha alma moribunda, que iria simplesmente vomitar todo o lixo que tinha dentro de mim, num ritual de perdão pelo facto de ter permitido que ele entrasse. Decidi que tinha chegado o momento de ser carinhosa e gentil comigo e segurei a minha própria cabeça enquanto sentia as convulsões da alma e chorava as lágrimas da existência. Perdoei-me! Perdoei-me por tudo o que fiz e que não fiz, por tudo o que permiti, por tudo o que abdiquei, por tudo o que destruí, por tudo o que não vivi e por tudo o que não fui. Perdoem-me os mais crentes, mas não há Avé Maria que bata o PODER de assumirmos a responsabilidade pela porcaria toda que atraímos para a nossa vida e a seguir perdoarmo-nos a nós mesmos por isso.


Como depois do perdão vem a bonança (não conheciam?! Inventei agora!), de alma leve e santo forte, resolvi que também não iria voltar a escrever história nenhuma de forma estruturada, planeada e metódica. Guardei muito bem as páginas que já estavam vividas e decidi que a partir de então a minha história seria escrita lentamente, de forma fluída, ao ritmo de cada dia e ao sabor da minha intuição. Assim como assim já estava a morrer, por isso também não tinha nada a perder. Só porque o meu ascendente em Virgem não me permite correr pelos dias feito cavalo desenfreado (para isso teria que ter nascido sob a bênção de um sol em sagitário) e porque, apesar de tudo, ainda acredito que isto de viver precisa de algum norte, defini 4 objectivos para o resto da minha vida:

  • Ser autêntica,

  • Ser amor;

  • Ser essência;

  • Ser a melhor versão de mim mesma.

Se o resto da minha vida se vai poder resumir desta forma? Espero que sim! Independentemente de se vou saltar de pára-quedas, conduzir um Lamborguini, comprar uma casa com vista para o mar, ter 5 filhos, fazer um mestrado ou largar tudo e ir viver para as Maldivas a dar aulas de mergulho (o que era inédito tendo em conta que eu não sei nadar), o que quero fazer enquanto não morro é não acumular mais lixo dentro de mim. É viver plena em quem eu sou, alinhada com a minha verdade interna e ser a melhor pessoa que puder ser em cada momento. Quero fazer tudo o que a minha intuição me pedir de forma autêntica e alinhada com o meu propósito divino. Quero espalhar alegria por onde passar e encher de amor tudo aquilo em que tocar. Quero ser capaz de cuidar das pessoas que amo, assim como elas cuidam de mim. Quero leveza na alma, liberdade no Ser e espontaneidade na maneira como escrevo cada nova página. Em suma, quero que no fim, o livro da minha vida seja um livro de recordações e experiências substanciais e não um monte de rabiscos sem consistência nenhuma. Sabem, é que quando a morte bate à porta, o despojo vem com ela e quando o corpo se cansa de resistir, não nos resta mais do que a essência daquilo que fomos. A única coisa pela qual eu rezo todos os dias, é para que a minha essência seja autêntica e repleta de amor. Assim, se eu viver todos os meus dias desta maneira, vou deixar esta vida da mesma forma que cheguei a ela: despojada de tudo, mas de alma limpa e coração cheio.



 
 
 

Comentarios


Por favor, insira um email válido

©2018 by Trinta Sentidos. Proudly created with Wix.com

bottom of page