O Início
- Marina Duque
- 20 de ago. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de ago. de 2018
Tenho uma amiga, dois anos mais velha do que eu, que me dizia muitas vezes "depois dos 30 a tua vida muda; a forma como tu olhas para ti e para o mundo muda". Apesar de eu até ser uma miúda espertinha, confesso que na altura não fazia a mais pálida ideia do que ela queria dizer com aquilo, nem conseguia perceber o que é que fazer trinta anos tinha de tão transformador. Foi preciso esperar quase até aos 31 para descobrir.
Durante muito tempo eu acreditava que era possível planear a minha vida toda até à reforma. Embora não tenha tido um percurso de vida muito típico, passei todos os meus vinte anos a tentar concretizar um plano muito cuidadoso que me permitiria viver o resto da vida em paz, sem sobressaltos e em consonância com tudo o que era esperado de mim. Contudo, de tempos a tempos, era confrontada com as voltas da vida e lá ia eu dar mais uma voltinha no carrossel. Quando pensava "ah, agora é que é" era exactamente o momento em que deixava de ser e isto afligia-me de morte. Para uma pessoa tão cuidadosa, tão empenhada nos seus objectivos e tão ponderadinha, porque raio é que não havia meio de a coisa engrenar?!
Perto dos 31 percebi que de facto alguma coisa em mim começava a mudar. A vida continuava a dar cambalhotas e saltos mortais, mas de repente, aquilo que os outros pensavam ou esperavam de mim já não importava tanto. Eu sentia que, apesar de andar às avessas com a vida, sempre a ter que me adaptar a novas situações e em constante reinvenção pessoal, havia uma solidez interna que começava a ganhar forma. Havia um grau de confiança e de segurança em muito daquilo que eu era que se começava a manifestar. Não posso dizer que isto era plenamente visível para o mundo, mas dentro de mim, era uma coisa que se ia esculpindo e ganhando uma forma bonita. A rede de amizades diminuiu, refinou-se. Comecei a escolher melhor as minhas batalhas e a proteger muito melhor a energia que gastava com elas. Comecei a dar mais atenção aos sinais do meu corpo e a escutar mais aquela vozinha interior que sempre me acompanhou e abençoou. Comecei a investir mais naquilo que me enchia a alma e o coração e comecei a valorizar muito mais aquilo que eu sentia que era certo para o meu caminho e para o meu propósito em cada momento. Aprendi a respeitar mais os meus tempos internos e a agir de acordo com o que eles me iam exigindo. A vida foi-se tornando mais leve, os sonhos ganharam outra forma, o Ser foi-se sobrepondo ao Parecer e a exigência de cumprir um plano que pertencia muito mais ao mundo do que a mim foi-se desvanecendo. De repente, parecia-me muito melhor ter a liberdade de Ser em cada momento, do que corresponder a uma pesada carga que me era imposta pelo expectável... para a vida toda.
Foi assim, através deste despertar para tudo o que me traz alegria e paz ao espírito, que percebi que uma das coisas que mais amo fazer é comunicar. Nunca tinha dado grande atenção a isso porque é daquelas coisas que faz parte de mim de uma forma tão natural, que nunca tinha percebido que estava cá. Ainda assim, comunicar é algo que eu fazia com muito cuidado e com uma exposição muito moderada, porque morria de medo do que é que os outros podiam pensar, ou de como poderiam interpretar aquilo que eu expusesse ao mundo. Desde muito nova que mantenho o hábito de escrever (agora chama-se journaling, no meu tempo chamavam-se diários e traziam um cadeado e uma chavinha que não valia um chavo), mas sempre de uma forma muito privada e pessoal. Aos 32 anos, senti que tinha chegado a hora de (mais uma vez) abandonar a minha zona de conforto e começar a escrever com algum propósito, mesmo que esse propósito seja simplesmente aliviar os silêncios, fazer uma coisa que me trás alegria (é tão válido quanto a jardinagem) e despejar para algum lado tudo aquilo que eu acho interessante poder partilhar com alguém. Ás vezes é assim, o desafio tem de partir de nós próprios e este foi o novo desafio a que me propus.
Trinta Sentidos tem a ver com trinta anos de muitos sentidos que se vão reescrevendo, reinventando, redescobrindo e recriando. Tem a ver com as coisas da vida, do mais profundo ao mais banal. Tem a ver com o dia-a-dia, com os pormenores, com os apontamentos, com os sonhos, com os significados, com o amor, com os medos e com tudo aquilo que enche o coração e a alma. Em suma, tem a ver com aquela parte de mim que eu quero repartir com vocês.

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