top of page
Buscar

O Amor e uma Cabana

O dinheiro é uma daquelas coisas centrais nas vidas da maioria de nós. É à volta dele que gira boa parte da nossa vida porque é o que nos permite ter uma casa, carro, móveis, comida, água, luz, gás, é ele que nos permite fazer aquela viagem nas férias, ir a concertos, comprar livros, ter Netflix, jantar fora, ir ao cabeleireiro, comprar roupa, ir ao cinema... e assim os nossos dias vão girando à volta do dinheiro e do quanto dele possuímos.


Lembro-me de ouvir histórias de quando o dinheiro não abundava e de como as pessoas partilhavam o pouco que tinham. Sabem a história da sardinha que dava para 10? Sempre adorei essa lengalenga porque sempre a achei um bocadinho mítica. Acho que a sardinha deve ter dado para dois ou três, mas num tempo em que as histórias se contavam de boca em boca, acho que lá se foram acrescentando uns pontos aos contos. Bem, mas o que interessa não é para quantos dava a sardinha, o que interessa é que todas essas histórias remotam a um tempo onde se vivia com muito pouco e ainda assim as pessoas viviam e conseguiam ser felizes. Eu já sou de uma geração em que as coisas eram diferentes (ou as sardinhas eram mais magras). No meu tempo já toda a gente minimamente digna tinha um carrito e uma casita, com a sua televisão a cores e até eu com 5 anos já tinha o meu computador pessoal. Cresci com a noção de que aparecer na missa ao domingo bem vestida e bem penteada era sinal que vinha de boas famílias e todos os dias era passada a vistoria antes de ir para a escola para ver se estava devidamente composta, não fosse a minha avó passar uma vergonha desgraçada por a miúda chegar ao colégio toda desfraldada e com a trança desfeita. Assim, e abreviando uma boa parte da história que não interessa a ninguém, tornei-me numa adolescente e adulta que valorizava muito o dinheiro. Aprendi a viver sem grandes luxos, mas sem nunca me faltar nada. Ao longo da vida foram-me ensinando que nada se consegue sem esforço e que se quero alguma coisa, tenho que fazer por a merecer. Por isso, aprendi que quanto mais dinheiro eu conseguisse fazer sozinha, sem pedir nada a ninguém, sem receber nada de ninguém, mais valor eu teria. Se os meus pais fossem ricos e pelos meus 18 anos me tivessem oferecido uma vivenda com piscina e um Lamborguini a estrear obviamente que eu seria uma idiota. Como só me pagaram a faculdade, sou só meia idiota.


Ora, acontece que nem sempre eu consegui tudo sozinha. Acontece que nem sempre tive dinheiro em barda e houve momentos em que, por circunstâncias da vida, tive que baixar a cabecita e ir bater à porta dos papás. Imagem o quão idiota me senti! Imaginem as lágrimas que estes olhinhos derramaram por ter que enfrentar os papás e os amigos enquanto dizia assim baixinho e com voz de quem não vale a ponta de um chavelho "empresta aí que o meu acabou"! Imaginem o trapo velho que esta menina se sentiu quando se passaram meses e meses em que ou tinha água e luz em casa, ou comprava aquele modelito jeitoso da Stradivarius. Ou ia ao cabeleireiro iluminar o cabelo ou iluminava o frigorífico com comida. Ou metia gasóleo no carro para ir trabalhar, ou ia de fim-de-semana com os amigos. Pior ainda, imaginem ter que enfrentar a vida e dizer que não consegui ter a estabilidade que sempre me disseram que eu deveria ter, não consegui ter aquele pezinho de meia para as urgências e portanto, também não consegui provar que mereço e que tenho valor.


Vou dizer-vos o que é que eu aprendi com o dinheiro: aprendi sobre amor e humildade. O dinheiro ensinou-me que tenho que saber viver com ele, mas também tenho que saber viver sem ele. Ensinou-me que achar que se posso viver uma vida inteira sem nunca aceitar nada de ninguém é arrogância e que não saber aceitar também o é. Foi na altura em que tive menos que aprendi a valorizar mais as pessoas e aquilo que tenho. Ensinou-me a definir o que verdadeiramente me faz falta e o mau uso que lhe dou para esconder as minhas vulnerabilidades e inseguranças. Ensinou-me a partilhar, a aceitar, a receber e a confiar. Ensinou-me sobre como é que se é feliz quando uma sardinha dá para 10: é que não importa quantos comem a sardinha, importa a qualidade daqueles que se sentam à volta da mesa. Importa o amor que damos e recebemos. Importa sabermos que mesmo que não tenhamos nada, nunca nada nos faltará. Esta é e será sempre a abundância que eu terei na minha vida. É que se me ensinaram a andar compostinha, também me ensinaram a ser um bom Ser Humano e por mais cliché que isto possa soar, posso jura-vos que a maior riqueza que eu tenho hoje, é aquela que eu construí muitas vezes com a conta a zeros, mas com integridade, entrega, dedicação e muito amor. O amor não quer saber de roupas, corpos ou cabelos. O amor não se mede ou valoriza pelo sacrifício e pela estabilidade. O amor quer saber de essência, de vibração, de sintonia, de verdade e de pureza. O amor cuida e protege. E garanto-vos que não há nada mais poderoso do que o amor próprio.


Foi assim cheguei ao meu amor e uma cabana. Há quem chegue lá de outras formas, por outros caminhos, mas eu cheguei assim. Foi assim que descobri o segredo desses que têm tão pouco e conseguem gerar tanto. De facto, houve muitos dias que não tive muito mais do que amor e a minha cabana e ainda assim estava feliz e de coração cheio. Aprendi a valorizar o que é simples e aceitar com humildade aquilo que têm para me dar, em vez de só ficar pregada àquilo que eu acho que quero. Aprendi que por mais humilde que seja a cabana, ela é tão acolhedora quanto o amor com que se é recebido. Aprendi que há abraços que sabem a lar. Que o dinheiro é energia e que é energia que as almas lêem, por isso é que há palavras e gestos que valem mais do que um milhão de euros a entrar na conta bancária. E não estou com isto a dizer que de repente não quero saber de dinheiro e que ele não me importa. O que digo é que da janela da minha humilde cabana, com o meu cabelo desgrenhado, com as minhas leggings gastas e com a minha velha camisola cheia de borbotos, aprendi a ver muito além dele. O que digo é que, por mais pobre que fique a minha carteira, na minha cabana nunca faltará o abraço que me faz sentir em casa, o amor que ilumina a minha alma, o cuidado que protege o meu coração e a capacidade de olhar para as estrelas com aquele brilho nos olhos de quem sabe que todo o Universo está na sua ordem perfeita.

✩♥✩


 
 
 

Comentários


Por favor, insira um email válido

©2018 by Trinta Sentidos. Proudly created with Wix.com

bottom of page