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Mais amor, por favor!

O mundo não está preparado para poesia e canções de amor. Prendemos gritos na garganta e lágrimas nos olhos. Amachucamos as nossas emoções e estraçalhamos os nossos corações. Somos feitos de carne e osso, mas exige-se que nos transformemos em ferro. Pedem-nos que sejamos marionetas e nós transformamo-nos em fantasmas. E se ao longe se ouve um poema que ameaça abrir as represas na nossa alma amordaçada, nós fugimos dele como se fosse o diabo a tentar-nos. E se os primeiros acordes de uma melodia de amor se fazem ouvir e ameaçam romper com as correntes que contêm o nosso coração, apressamo-nos a mudar de música, não vá o amor irromper-nos a existência e conduzir-nos à destruição.


Não estamos preparados para sermos arrebatados. Nascemos preparados para viver, mas pelo caminho viver torna-se ameaçador. Passamos a sobreviver, presos em nós mesmos, tão cheios de culpas e de medos, escondidos e encolhidos atrás de pedras altas que nos protegem de tudo o que é perigoso, sem sabermos que o que é perigoso é aquilo porque mais vale a pena viver. Queremos controlo, queremos fotografias instantâneas de uma realidade que possamos controlar. Queremos saber o que se esconde atrás de cada recanto e perdemos o encanto e magia dos mistérios da vida. Não queremos surpresas e não nos importamos de não ter liberdade. Não nos importamos de viver presos, condicionados e de reduzir a nossa existência a um conjunto de acções (muito) bem planeadas.


Como eu queria ter vivido no tempo em que se morria por amor, no tempo dos trovadores, quando até as guerras davam canções sobre o amor a um país, a uma mulher, a uma missão. A vida era curta e os amores eram intensos. Os dias passavam depressa, mas ao cair da noite, sentados à volta de fogueiras, os guerreiros descansavam sobre os seus desejos mais profundos e sonhavam com esperança com um amanhã que podia nem chegar. A efemeridade da vida fazia com que ela fosse vivida com muito mais intensidade e significado. Ninguém se importava de ser arrebatado pelo inesperado porque isso era o que quebrava o marasmo dos dias contados. Vive ou deixa-te morrer. Vive ou nem vale a pena estares vivo. E cada novo dia era uma nova oportunidade para sentir tudo de novo, com intensidade, com entrega, como se isso fosse a única verdade que se conhecia e como se o amor fosse a única força capaz de preservar a vida.


Hoje as vidas são longas e as leis da sobrevivência subverteram-se: já não se morre por amor. Morre-se de doenças causadas por falta de amor, mas já não se morre por amor. Morre-se por stress, por depressão, por problemas cardíacos, por vícios, e por mais umas quantas coisas que meia dúzia de poemas e umas quantas canções de amor podiam curar... mas não se morre por amor. Isso ficou démodé! Já não nos reunimos à volta de fogueiras a cantar e a contar histórias que isso é medieval. Vivemos na Era Moderna onde, ora se fica escondido em casa a enfiar as emoções num tanque blindado, ora se sai à rua com a capa bonita e bem posta para fugir do raio do tanque blindado que deixámos em casa. Hoje já não se chora por amor. Chora-se por não sermos suficientes, por não sermos merecedores, por não conseguirmos aquilo que todos os outros conseguem. Chora-se porque estamos desfeitos em bocados e não encontramos cola que nos devolva a integridade e a identidade. Chora-se porque não somos capazes de nos amar a nós mesmos, mas Deus nos livre de chorar por amor.


Não importa quantas voltas se dê, o mundo não está preparado para os poemas da alma e para as canções do coração. O mundo não quer cartas de amor, não quer versos existenciais, nem quadras de vida. O mundo quer acção, quer movimento, porque toda a gente sabe que sensibilidade desperta sensibilidade e Deus nos livre de virar uma esquina e darmos de caras com ela. Deus nos livre de atravessarmos uma estrada e sermos confrontados com aquilo que acreditamos serem as nossas fragilidades, mas que no fim são o que temos de mais puro, belo e íntegro. Deus nos livre de sermos arrebatados pelo amor que é a condição mais essencial do Ser e a única porque vale mesmo a pena viver.


É caso para se dizer: Mais amor, por favor! ♥


 
 
 

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