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"Conversas com Deus"

Converso com Deus. Nem sempre tivemos a melhor relação e houve o tempo em que me rebelei contra Ele. Na altura não O entendia. Hoje há momentos em que ainda não O entendo. Parecia que o seu melhor passatempo era realizar os meus desejos, dar-me o que eu queria para depois me retirar tudo e deixar-me com muito pouco. Obrigou-me a morrer e renascer muitas vezes nesta vida. Tirou-me o chão debaixo dos pés em demasiados momentos. Concedia-me a realização dos meus sonhos, para quase que invariavelmente, ao fim de algum tempo, os destruir por completo como quem constrói castelos na areia só para os ver serem derrubados pelas ondas do mar quando a maré sobe. Pensando bem, sempre vivi assim, como as marés: construía na maré baixa para ver tudo ser destruído quando o mar subia.


Bem, mas dizia eu que converso com Deus. Perguntou-lhe quantas vezes mais terei que morrer e renascer nesta vida. Quantas vezes mais terei que reconstruir a vida que ele me tira. É que de cada vez que se renasce, renasce-se para uma vida melhor, mas de cada vez que se morre, sente-se a dor da alma a abandonar-nos o corpo. Ele diz que o meu mal é criar raízes demasiado profundas, eu digo-lhe que tudo na natureza acontece dessa forma: criam-se raízes profundas que nos alimentam e nos tornam mais fortes. Ele diz que então talvez eu esteja a criar as minhas raízes nos lugares errados. Afinal as árvores alimentam-se da Terra e não das plantas, dos arbustos ou das outras árvores que as rodeiam. Talvez as minhas raízes estejam fora de mim e fora da Terra. Talvez me ande a plantar em lugares onde o alimento acaba e a água escasseia. Quando Lhe lanço o meu olhar de desagrado, Ele gaba-se de ter criado a Terra, o Céu e o Ser Humano e gaba-se de conhecer melhor que ninguém os processos da criação. Eu arrogantemente respondo-lhe que ele pode saber criar vida, mas não faz ideia de como se mantém a vida! Ele criou o Ser Humano, mas não faz ideia do que é isto de Ser Humano: Deus não sabe o que é ser abraçado e sentir-se em casa, não sabe o que é adormecer nos braços de quem se ama, não conhece a sensação de assistir ao pôr do sol numa tarde de Verão, de mergulhar no mar e sentir o corpo a ser purificado até à medula. Deus não sabe o que é sentir medo ou coragem. Não sabe o que é entusiasmo, não chora com saudade e não grita de desespero. Tudo o que ele sabe é o que pode observar em nós, vivendo-o através de nós, mas não o sente na pele como nós sentimos.


Confesso que esta resposta trás a mágoa de sempre me ter sentido assim um bocadinho marioneta dos desígnios do Senhor. Sempre me disseram que tinha que confiar no plano maior que Ele tem para nós, mas eu sempre insisti em desconfiar e questionar esse plano. Peço-Lhe perdão pela minha mente racional que precisa de compreender tudo. Peço-Lhe perdão por não conseguir confiar cegamente na Verdade Dele que afinal é a minha. Peço-Lhe perdão pela arrogância e pela ousadia, mas Ele é Deus e sabe das coisas dos deuses, eu sou Humana e sei das coisas dos humanos. Talvez comigo tenha cometido um erro e não me tenha feito à Sua imagem. Em boa verdade, sei que nunca me abandonou, mas duvido sempre de alguém que dá para a seguir tirar. Também nunca achei que Ele fosse mau, mas cheguei a pensar que talvez não soubesse bem o que estava a fazer ou tivesse um Neptuno proeminente e gostasse de lançar caos e confusão como se faz nos filmes de drama e suspense.


Deus, pacientemente, sentou-se na sua nuvem em forma de cavalo marinho (ou de cone de gelado, ou de ovelha, ou de algodão doce... não sei, as nuvens estão sempre a mudar) e começou a contar-me sobre a Terra e os seus ciclos e contou-me que por mais que nós nos tenhamos desligado deles, eles continuam a mover as suas forças dentro de nós. Contou-me que nos primeiros dias da Primavera as flores brotam, as árvores começam a deixar aparecer as suas primeiras folhas, os campos começam a ficar mais verdes e dá-se início à época da fertilidade. A Primavera é o tempo em que a Terra renasce e vive novamente o seu tempo de prosperidade; é o tempo em que plantamos aquilo que iremos colher no futuro. É a materialização da vida, é o momento em que plantamos o alimento que nos dará sustento, segurança e conforto. Por essa altura ainda chove, mas a chuva são as bençãos que alimentam a fertilidade. Durante meses a Terra rejubila em alegria, prosperidade e abundância. Contudo, chegando o Outono, a Terra recolhe-se para descansar. É o tempo de colher aquilo que se plantou, de ver as árvores ficarem despidas, os jardins sem flores e a única coisa que lhes garante que na próxima Primavera irão renascer em força, são as suas fundações, as raízes que as mantêm presas à sua casa. É a época da transformação e a Terra aceita que assim é. A Terra não chora a morte, porque sabe que é apenas o seu processo de renovação da vida. Então, Ele pede-me que olhe para a Terra e que tal como ela não resista aos processos naturais e necessários à renovação da minha vida. Pede-me que, tal como a Terra, aceite que nada se perde e tudo se transforma. E pede-me que confie no processo de transformação. E que aceite que os processos levam tempo, mas que no fim, o resultado será sempre o nascimento de uma nova vida, um novo amor, novos sonhos e nova época de prosperidade. A Terra não conhece a perda, conhece o processo de transformação. A Terra não se apega ás suas árvores, mas nutre-as em todas as suas fases. A Terra não deseja ver mais flores, mas rejubila a cada nova rosa que brota no roseiral.


Compreendo finalmente o sentido da minha vida e compreendo finalmente o que é Ser Humano na Terra. Compreendo finalmente a necessidade de criar raízes fortes que resistam aos processos de transformação e purificação da vida. Compreendo a necessidade de morrer para renascer, de morrer para renovar. Compreendo que nada do que nascemos para ser depende daqueles ou daquilo que está à nossa volta, mas sim da força das nossas raízes e da nossa fé e confiança nos processos da vida. E compreendo que resistir é ficar presa e que a liberdade exige saber quando se estabelecer e quando se deixar ir. Sou obrigada a reconhecer-Lhe a sabedoria que Lhe atribuem e prometo, que por mais que vá continuar a questionar as forças que coloca no meu caminho, não lhes irei resistir mais. Continuarei a ser Humana e a sentir a força dos ciclos, a brutalidade das tempestades, a violência dos temporais, mas cuidarei das minhas raízes e nutrirei cada veio do corpo que me liga aos céus.


Deus despede-se e inicia o seu caminho de volta ao céu. Com um sorriso na cara, paz na alma e coração sereno penso para mim "volte sempre"!


 
 
 

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