Alice in Wonderland
- Marina Duque
- 20 de nov. de 2018
- 6 min de leitura
Gostava de vos dizer que não acredito em contos de fadas, mas se o fizesse estaria a mentir-vos. A minha percepção dos contos de fadas pode ter mudado bastante ao longo dos anos, mas a verdade é que acredito neles, talvez com mais convicção do que nunca.
Quando era miúda costumava sonhar com princesas em vestidos de baile e com príncipes montados em cavalos brancos. Sonhava com reinos encantados e com terras longínquas. Sonhava com histórias de amor que começavam com "Era uma vez..." e terminam com "...viveram felizes para sempre". Sonhava com sapatos de cristal, com abóboras que se transformavam em carruagens, fadas madrinhas e com todo o tipo de encantos e magia que nos relatam quando somos pequenas. Durante muito tempo, sonhei mesmo que eu era a princesa que vivia num reino encantado, presa no seu próprio castelo, ansiosamente aguardando a chegada do principie encantado que a viria salvar.
À medida que o tempo foi passando, os anos passaram também e com eles eu fui crescendo. À medida que fui crescendo fui percebendo que a realidade não é exactamente a que me tinham vendido nos livros e que o "viveram felizes para sempre" compreende uma boa parte da história que não foi contada. Percebi também que a salvação e a magia existem, mas dependem de nós, dependem da nossa capacidade de nos salvarmos e de nos tornarmos os alquimistas de nós mesmos. Assim, fui-me afastando cada vez mais do estereótipo da princesa, fui trocando os vestidos de baile pelos jeans, os sapatos de cristal pelos ténis e a carruagem... bem, não faça eu a revisão ao carro a ver se não ando a pé! Mas fui-me tornando menos frágil, menos ingénua, menos vulnerável e menos dependente de salvações alheias. Aprendi a construir o meu reino devagarinho, mas com encanto. Claro que eu tenho o meu reino material, que é meu, muito meu e pelo qual eu nutro um carinho muito especial. Mas o maior encanto reside no meu reino interno, esse que eu nutro e cuido com todo o amor, a bem da minha sanidade mental, mas também a bem dos meus propósitos de vida e daquilo que eu acredito ser a marca que cada um de nós deixa no mundo.
Afastada dos estereótipos das princesas comuns, acabei por descobrir a Alice que existia dentro de mim. Curiosa e curiosa, cheia de "muchness", aprendi a viver a minha vida como o meu próprio Wonderland, onde nem todos os dias são felizes e livres de perigos, mas onde a magia acontece e as bênçãos se manifestam. Passei a encarar os desafios de todos os dias como aventuras da existência e a dar ouvidos ao meu Chess, aquela vozinha misteriosa e sorridente que sempre ecoou dentro de mim e que me dava pistas sobre o caminho, mesmo quando eu não fazia ideia por onde seguir. Quando quase todos duvidavam de mim, não me importei de duvidar também. Acredito que às vezes faz bem termos dúvidas sobre quem somos ou por onde devemos caminhar. Obriga-nos a retornar a uma humildade quase ingénua que nos remete para a nossa essência e assim, para um caminho mais puro e alinhado com quem nós verdadeiramente somos. Tal como o Absolem (Blue Caterpillar) , porventura a personagem mais sábia de todo o Wonderland, percebi que as transformações são uma parte indispensável e inevitável do nosso caminho. Jamais poderíamos nascer borboletas cheias de cores se não passássemos primeiro pelo longo e intenso processo da transformação. Todos os quadros são telas em branco que ganham cor e forma à medida que o pintor vai traçando a sua arte. As borboletas também são assim o culminar de um processo artístico, repleto de tons e correspondências, que culminam num único e magnifico ser cromático. Então, aprendi a ser lagarta e borboleta, aprendi a passar pelos processos com paciência e sabedoria (a mais possível), com a certeza de que no fim, as minhas cores serão únicas e as minhas asas me permitirão voar alto.
Ao longo deste caminho e com o meu Cheshire pendurado no ombro, caí muitas vezes em buracos escuros. Costuma-se dizer que a curiosidade matou o gato, mas curiosa sou eu, o gato é só misterioso. O que me fez tantas vezes enfiar-me na escuridão foi a distracção com o Futuro. É que eu vivia assim em constante alucinação com o próximo passo, o próximo acontecimento, tudo o que poderia antecipar, tudo o que poderia antever, tudo o que poderia calcular, tudo o que poderia evitar, tudo para que me devia preparar... Tudo o que não estava acontecer agora e iria acontecer num tempo e num lugar que eu jamais poderia controlar. Com tanta energia mental a trabalhar na coisa, toldava-se-me a visão, falhavam-me as pernocas e lá ia eu "down, down the rabbit hole"! Bendito McTwist (White Rabbit) , com o seu colete azul e o seu relógio de bolso, sempre pronto para me lembrar que o Futuro está cheio de variáveis que eu não posso controlar e que o único tempo sobre o qual eu detenho algum poder é o Agora. Bendito McTwist que me recordou tantas vezes que a vida é assim uma amálgama de conjugações e conjecturas mágicas, de janelas de oportunidade que se alinham numa geometria perfeita, para dar lugar àquela condição absolutamente única e primorosamente planeada que só mesmo o Universo poderia arquitectar (lá tinha eu arte para conseguir antever tamanha condição, logo eu que sempre fui tão má a matemática!). Restou-me aprender a viver cada momento como uma obra única do Universo, tirando o maior partido dela e dando-lhe a atenção necessária e suficiente para a viver plenamente em vez de andar por aí aos trambolhões.
Por fim, como falar de Alice sem falar no meu Mad Hatter?! Sabem, desde que deixei a cena das princesas e me transformei numa Alice a vida brindou-me com muitos ensinamentos, muitas formas diferentes de olhar para ela, muitos mundos novos, muita profundidade, muita intensidade e muita magia, mas a melhor coisa que eu tiro de tudo isto é mesmo o Mad Hatter que vive dentro de mim. A Alice e o Mad Hatter são o Yin e o Yang do mundo, são as Twin Flames, são o masculino e o feminino em um só, são a díade Amor/Loucura num equilíbrio perfeito. O Mad Hatter é aquela parte de mim que sabe que precisa de colocar uma dose de loucura em tudo aquilo que faz e em tudo aquilo que toca. A Loucura é a espontaneidade, é o espírito livre, é o desprendimento, é a alegria, é o caminho dos iluminados através do caminhante errático, que não tem medo de falhar porque sabe que isso é o que o conduz à perfeição. Fazemo-nos e refazemo-nos por tentativa erro: ninguém tem a fórmula perfeita, o valor perfeito, o modelo perfeito. O Mad Hatter com a Alice são a Unidade que conjuga emoção, acção, medo, amor, liberdade, sensibilidade, loucura e paixão. Ele pára o tempo enquanto espera por ela porque sabe no lugar mais profundo de si que um dia ela vai chegar. Quando todos duvidam dela, ele acredita porque sabe com todo o seu coração que ela é a tal, a especial, a que vai revolucionar o tempo e devolver o amor ao mundo. E sabe que um dia ela vai voltar a partir, mas não fica triste por isso, nem tenta impedi-la de o fazer. Ambos compreendem que o amor mais primordial e essencial é o amor incondicional, aquele que existe dentro dos dois em sintonia perfeita e que faz deles Uno para além de qualquer tempo ou lugar.
Este é o meu conto de fadas favorito. No fim, a Alice não precisou de um príncipe que a salvasse. Na verdade ela salvou um reino inteiro apenas com a confiança nela própria, aceitando o seu destino, confiando nas bençãos que foram sendo largadas no seu caminho e transformando-se progressivamente na melhor versão de si mesma. No fim, ela não viveu feliz para sempre! Ela continuou a construir o seu caminho e a descobrir-se, feliz, sólida, íntegra, corajosa, humilde e fiel a si mesma, sabendo que existirão sempre desafios, mas que esses desafios serão processos alquímicos para os quais ela terá sempre em si a força, a fé e a magia necessária para os superar. Eu sou assim uma Alice pela minha vida fora, sem vestidos de baile nem sapatos de cristal, mas com uma armadura de amor e loucura, bordada com fé e sonhos, a irradiar luz e magia pelo reino encantado que vou construindo dentro e fora de mim.
The end! ⭐

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